Sobre a necessidade de entrega de dados à autoridades policiais e ao MP.
STF julgou que as operadoras de telecomunicações devem entregar os dados dos clientes às autoridades policiais, e ao Ministério Público, sem a necessidade de ordem judicial.
O Supremo Tribunal Federal julgou, em plenário virtual, pela constitucionalidade do art. 17-B da Lei 9.613, de 3 de marco de 1998, acrescido pela Lei 12.683, de 9 de julho de 2012. Tal dispositivo determina que a autoridade policial, e o Ministério Público, terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais de investigado, que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito.
O julgamento foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4906, proposta pela ABRAFIX – Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado, que apontou inconstitucionalidade material por violação ao art. 5º, X, da CF/88. A inconstitucionalidade mencionada foi fundamentada pelo fato de as informações contidas no dispositivo da lei em comento traduzem a vida privada do cidadão e, por isso, devem ser resguardadas contra devassa indevida – além de acrescentar que o Poder Judiciário tem o poder-dever de examinar a necessidade, a razoabilidade e a justificação da restrição aos direitos fundamentais, e não pode ser transferida para a autoridade ministerial e policial tal atribuição.
Alega, por fim, que somente o Poder Judiciário pode afastar das empresas telefônicas o dever de preservar o sigilo de dados de cadastro dos usuários do serviço.
O relator do caso, Ministro Nunes Marques, conheceu em parte a ação e, nessa extensão, julgou improcedente o pedido, e foi acompanhado pela Min. Cármen Lúcia e pelo Min. Alexandre de Moraes. O Min. Marco Aurélio divergiu do Relator para admitir a ação no tocante às concessionárias de serviço telefônico público e, nessa extensão, julgar procedente o pedido.
Embora reconhecendo que a Emenda Constitucional nº 115/2022[1] acresceu o direito à proteção de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, no rol dos direitos e garantias fundamentais, o art. 4º, inciso III, da LGPD, exclui a incidência da conformidade de tratamento para fins exclusivos de: a) segurança pública; b) defesa nacional; c) segurança do Estado, ou, d) atividades de investigação e repressão de infrações penais, complementando a regulação por meio do § 1º, do mesmo dispositivo:
O tratamento de dados pessoais previsto no inciso III será regido por legislação específica, que deverá prever medidas proporcionais e estritamente necessárias ao atendimento do interesse público, observados o devido processo legal, os princípios gerais de proteção e os direitos do titular previstos nesta Lei
Segundo o relator, o STF já assentou que “não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo 5°, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não de dados” (HC 91.867/PA, Ministro Gilmar Mendes).
Além disso, segundo o Min. Nunes Marques, os dados cadastrais tratam-se de informações objetivas, fornecidas, muitas vezes, pelo próprio usuário ou consumidor, para fins de registros da sua própria identificação nos respectivos bancos de dados de pessoas jurídicas públicas e privadas, informações objetivas como nome, endereço, filiação, não estão acobertadas pelo sigilo. Por fim, considerando que a consolidação de uma sociedade livre e justa (art. 3°, I, CF) também passa pela repressão efetiva e célere de crimes, e ilegítimo mesmo seria dificultar em demasia o acesso a esses dados para fins de investigação criminal.
Importante destacar que está em fase de elaboração legislativa a “LGPD Penal”, que tecerá parâmetros relacionados ao tratamento de dados pessoais no âmbito da persecução penal. Desta forma, após esta lei infraconstitucional, poderia ser colocado como inválida a perseverança de práticas desconformes, violadoras e/ou atentatórias ao núcleo fundamental protetivo dos dados pessoais, isto é, a manutenção de espécie de estado de natureza de dados pessoais no domínio penal e processual penal.
[1] Art. 5º, LXXIX, da CF/88: é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.