O reconhecimento facial é uma tecnologia que usa inteligência artificial para identificar indivíduos através de suas características e biometrias faciais. Embora tenha sido promovido como uma solução para problemas de segurança e autenticação/identificação, existem sérias preocupações com relação à privacidade, a proteção de dados pessoais, bem como a liberdade individual, o que torna necessário o banimento, por ora, desse tipo de tecnologia.
É preciso destacar que atualmente existem mais malefícios do que benefícios na utilização do reconhecimento facial, sejam eles causados por humanos ou autenticamente pela própria tecnologia, que é programada e codificada por seres humanos, com seus prejulgamentos e convicções – bons e ruins.
Primeiramente, o reconhecimento facial pode levar a um aumento na vigilância do Estado, bem como das organizações privadas. Com a capacidade de monitorar as atividades e movimentos de pessoas em tempo real, as autoridades e empresas poderiam coletar informações pessoais sem o consentimento das pessoas envolvidas, para fins de monitoramento em tempo real de suas atividades e movimentos, violando regulamentações como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), aprovada em agosto de 2018 e que passou a vigorar em agosto de 2020. Tal prática poderia levar a abusos de poder, como perseguições políticas ou discriminações baseadas em características como raça, gênero, condições socioeconômicas, posições políticas, dentre outras.
Cabe destacar ainda que dados biométricos são classificados pela LGPD como dados pessoais sensíveis, justamente por terem o poder de causar discriminação aos titulares dos dados, bem como de ter a capacidade de restringir acesso à determinados ambientes, limitando a liberdade individual e, portanto, faz-se necessário observar as regras – mais rigorosas – bem como as melhores práticas internacionais e medidas de segurança adequadas no tratamento deste tipo de dados. A classificação como sensível pela norma brasileira se deu também por conta do caráter permanente, único e irrevogável do dado biométrico à identidade de uma pessoa.
A tecnologia ainda não se encontra em um estágio apto para sua pronta utilização. O reconhecimento facial não é uma tecnologia otimizada ao ponto de não gerar grandes riscos às liberdades individuais e, além disso, por não estar pronta, pode ser prejudicada a partir da interação humana que, muitas vezes, não está alinhada aos princípios éticos que devem nortear o treinamento da inteligência artificial, bem como o seu desenvolvimento, podendo ser facilmente desvirtuada dos seus propósitos legítimos. À título de exemplo a tecnologia pode permitir a identificação incorreta de pessoas, o que pode levar a acusações injustas e prejudiciais. Além disso, ele pode ser usado por criminosos para fins maliciosos, como roubos de identidade e invasões de aplicações/dispositivos que utilizam o reconhecimento facial como mecanismo de autenticação.
Outra preocupação é o impacto desproporcional do reconhecimento facial em comunidades vulneráveis, como minorias étnicas e pessoas com deficiências. A tecnologia ainda tem dificuldades em reconhecer pessoas de raças e etnias diferentes, o
que pode levar a discriminação. Segundo dados de dois relatórios formulados pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ), juntamente com o Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais (CONDEGE) foram realizadas de 2012 a 2020, ao menos, 90 prisões injustas. Desse total, 79 contam com informações raciais conclusivas, sendo 81% pessoas pretas1.
Nesse sentido, sem regras gerais, principiológicas e claras sobre como deve seguir o desenvolvimento da tecnologia que suporta o Reconhecimento Facial, é de se cogitar o banimento, por ora, desta ferramenta, assim como já recomendou – inclusive – o Conselho Europeu de Proteção de Dados Pessoais2 (CEPD). Além do CEPD, San Francisco, onde estão localizadas as grandes empresas de tecnologia do Vale do Silício, foi a primeira cidade dos Estados Unidos a aprovar, em 2019, a proibição do uso do reconhecimento facial pela polícia e outras agências públicas, justamente pelas questões delineadas.
O uso desta tecnologia, portanto, deve ser uma exceção e apenas quando houver uma efetiva e ampla discussão do Poder Legislativo, em coordenação com a Sociedade Civil, para construção de uma consolidada regulamentação, apta a proteger direitos e liberdades individuais.
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