Inteligência Artificial e Direitos Autorais

“A criação bem-sucedida de inteligência artificial seria o maior evento na história da humanidade. Infelizmente, pode também ser o último, a menos que aprendamos a evitar os riscos”. Com esse aforismo, o físico teórico Stephen Hawking quis elucidar o principal desafio que circunda o advento de novas tecnologias: a percepção pública de absoluta infalibilidade desses novos meios.

Porém, aos estudiosos e atentos aos processos históricos, o surgimento de novas tecnologias é uma faca de dois gumes: de um lado traz facilidades para a humanidade, porém, de outro, leva a discussões nos campos da ética e do Direito para os quais deve-se buscar soluções, para evitar a perturbação da ordem social.

Com a alta capacidade de proliferação do uso da plataforma de Inteligência Artificial também escalam os conflitos envolvendo os Direitos Autorais. Apesar da legislação brasileira contemplar a proteção aos direitos imateriais do autor por meio da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998), sem a previsão de atualizações legislativas que acompanhem as novas tecnologias os conflitos devem aumentar neste campo.

Atualmente, o melhor exemplo dessa situação é precisamente a popularização dos meios de Inteligência Artificial, tais quais o MidJourney e o Chat GPT. Por mais que se reconheça o potencial transformador da IA em todas as grandes indústrias, a tecnologia tem causado polêmicas ao reproduzir livros, músicas e até pinturas impossíveis de discernir daquelas produzidas por seres humanos. Dentro dessa profícua produção obtida a partir de grande quantidade de dados disponíveis na internet, a IA conseguiu copiar o estilo de escrita e pintura de artistas reconhecidos e fazer obras inéditas, mas também consegue elaborar conteúdos autorais com base nas informações que constam de seus bancos de dados, como, por exemplo, no caso da IA que ganhou concurso de ilustração realizado em Colorado, nos Estados Unidos, com a ilustração Théâtre D’opéra Spatial.

A despeito das regras de Copyright nos EUA protegerem apenas “a definição original do que seria um autor” permitindo apenas o registro dos “frutos do trabalho intelectual (…) decorrentes dos poderes criativos da mente”, ou seja, obras de autoria humana, o resultado do concurso foi mantido, pois não o autor não pretendia registrar a obra no Copyright Office.

Dessas e outras situações surge o questionamento: “a quem pertence a autoria das obras produzidas pela Inteligência Artificial?”
Essa questão foi tema de discussão proposta perante a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados pelo deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade- RJ), no dia 11 de abril deste ano (2023). Do ponto de vista jurídico, deve-se considerar as leis de cada país para responder à pergunta adequadamente.

No âmbito da referida discussão, o parlamentar ilustrou a controvérsia por meio dos exemplos de outros países, como no Reino Unido, em que a autoria e os direitos de obras criadas por IA pertencem à pessoa que “arranjou o que era necessário para a criação da obra, apesar de não ficar claro se este seria o programador ou o usuário”.

A UNICITRAL, em sua Convenção das Nações Unidas sobre o Uso de Comunicações Eletrônicas nos Contratos Internacionais, tentou preencher lacunas interpretativas tais quais a enfrentada pelo Reino Unido, reconhecendo que, tanto as máquinas quanto seus criadores poderão ser partes em relações jurídicas, e admite a possibilidade de que a IA seja sujeita de direitos e obrigações, e passível de responsabilização por seus atos autônomos.

Em sentido diverso foi Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2017, que defende que a IA não poderá ser responsabilizada por suas ações ou omissões com relação a terceiros, do que exsurge responsabilização do agente que poderia prever e controlar qualquer comportamento lesivo do robô.

Em conformidade com o entendimento do Parlamento Europeu, nota-se que em Portugal as obras criadas pela Inteligência Artificial são de domínio público pois inexiste vinculação desta produção autônoma ao conceito tradicional de “inteligência” e “autoria”, a serem interpretados em sentido biológico. Assim, à luz do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos de Portugal, o domínio público das obras produzidas por IA serviria para estimular a competição criativa e a produção artística, considerando-se que a divulgação de obras protegidas por direitos autorais sem autorização é ilícita.

As leis lusitanas adotam a teoria “proprietarista” enquanto fundamentação para os direitos do autor. Tal teoria prevê que os direitos autorais merecem proteção enquanto resultado de um trabalho intelectual do autor. Com base neste vetor interpretativo, as pessoas que elaboraram a IA não fariam jus à proteção autoral, devendo ser recompensados pelos direitos autorais relativos ao programa de computador por eles criado.

No Brasil, o tema é regulado pela já mencionada Lei de Direitos Autorais (Lei n° 9.610/1998) que prevê a definição de “Autor” em seu Art.11:“é pessoa física criadora da obra, seja ela literária, artística ou cientifica”. A partir dessa disposição, foi uníssono o entendimento- na referida discussão na Câmara dos Deputados- no sentido de que o Chat GPT e o usuário de IA não poderão ser consideradas autores de obras intelectuais. Dessa forma, aplicando-se analogicamente referidas conclusões assentadas no direito português, os produtos da utilização do Chat GPT estariam em domínio público.

De acordo com Sthéfano Bruno Divino e Rodrigo Almeida Magalhães, em artigo escrito para a Revista de Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória, a lei brasileira descreve pessoa física como passível de titularização de direitos autorais, pois a produção artística ou científica limita-se às capacidades intelectuais inteligíveis sob a ótica de uma operação mental biológica.

Nesse sentido, a Inteligência Artificial “não possui mente, não possui inteligência, não é pessoa e não é sujeito de direito”, pois trata-se de programa de computador digital que, ainda que se utilize de processos de deep e machine learning que possam transcender os objetivos iniciais para os quais foi programada, estaria inafastavelmente vinculada à sua programação originária.

Dessa forma, com base nesta breve exposição de direito comparado, conclui-se que o entendimento de que apenas seres humanos poderão ser enquadrados como “autores” e, por conseguinte, titularizarem direitos autorais, é o mais adotado atualmente, apesar de não se encontrar positivado em todos os países mencionados.

Faz-se necessário -para não dizer urgente- que os debates sobre o tema sejam mais intensos e céleres, para acompanhar a velocidade das mudanças no mundo da tecnologia, especialmente se considerarmos que as formas mais avançadas de IA foram disponibilizadas para o grande público em vários países do mundo sem que houvesse regulamentação a respeito, colocando vários direitos em risco, em especial aqueles relativos ao direito sobre a Propriedade Intelectual.

Por fim, ainda é preciso relembrar que se encontra em discussão pelo Congresso Nacional o Marco Regulatório da Inteligência Artificial, o qual exige massiva participação da sociedade civil, do setor privado e da academia para que a legislação aprovada seja a mais diversa, inclusiva e abrangente possível, considerando uma sociedade plural como é a brasileira.

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