O consentimento do paciente na atuação do médico

Consentimento é o ato pelo qual uma pessoa autoriza outra a realizar determinada conduta.

Sabemos que a medicina é uma profissão que lida diariamente com o risco, portanto, cabe a seus profissionais uma estrita observância de determinados deveres em sua atuação, seja por imposição ética ou legal, como o dever de sigilo, por exemplo, o dever de agir segundo técnicas cientificamente comprovadas, o dever de respeitar a saúde e a vida do paciente, assim como, o relevante dever de informar e colher o consentimento do paciente, tema do presente artigo.

Com isso, costuma surgir as seguintes indagações: o que valida um ato médico? Como saber se determinado ato médico é legítimo?

Será por meio da obtenção do consentimento livre e esclarecido (ou consentimento informado), além de outros deveres, que se poderá constatar que o ato médico foi válido, legítimo. Ou seja, isso significa que sem o consentimento do paciente, a conduta do médico será considerada ilícita, sendo este, portanto, um pressuposto de licitude do ato profissional.

Todo médico possui o dever de informar o paciente sobre o diagnóstico, prognóstico, objetivos do tratamento e seus riscos, além de orientar e prescrever a rotina de cuidados que este deve seguir.

O procedimento para a obtenção do consentimento deve ser cumprido em duas etapas: verbal e escrita, e pressupõe o compartilhamento claro e eficaz das informações em linguagem acessível, assim como, uma corresponsabilidade na tomada de decisão entre médico e paciente.

Para que qualquer consentimento seja juridicamente válido – não apenas na seara da relação médico x paciente – ele deve ser colhido de forma livre, sem qualquer tipo de coação, erro, fraude ou vício de vontade, e principalmente, com a observância de que a pessoa no momento de consentir teve plena capacidade e condições de compreender as consequências de sua decisão.

Portanto, entre todos os deveres éticos e legais impostos aos médicos e demais profissionais da saúde, se encontra o indispensável dever informacional, sob pena de uma responsabilização civil por culpa, independentemente de ter ocorrido ou não um erro médico. A culpa nesse caso, advém de uma falta de informação ou da sua deficiência.

O dever informacional se desdobra em três aspectos:

1- Na informação ao paciente;

2- Na confirmação do esclarecimento; e

3- Na obtenção do consentimento.

No caso da relação médico-paciente, o consentimento informado deriva não apenas da boa-fé objetiva que rege as relações contratuais – como são a dos médicos com seus pacientes – mas também, do princípio da autonomia da vontade ou da autodeterminação, como consectário dos direitos da personalidade, que todo indivíduo possui, de saber o que será realizado com seu corpo, possibilitando-o de conhecer sobre todos os riscos, benefícios de determinado procedimento, técnica ou tratamento, assim como suas possíveis alternativas terapêuticas, para que com isso, possa ter plenas condições de consentir ou dissentir, de forma livre e esclarecida, se submeterá ou não à terapêutica indicada.

O dever de informar e de obter o consentimento do paciente ou de seu represente legal, é uma obrigação tanto ética, quanto legal, com fundamento, tanto no Código de Ética Médica em seu art. 22, assim como, no Código de Defesa do Consumidor nos arts. 6º, III e 14, e no Código Civil em seu art. 15.

Assim, determina o Código de Ética Médica:

É vedado ao médico:

Art. 22 – deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.” (grifos nossos)

O médico que deixa de cumprir com seu dever informacional e não esclarece e não colhe o consentimento do paciente, além de incorrer em infração ética-disciplinar sujeito às penalidades do seu respectivo Conselho Regional de Medicina, também poderá ser responsabilizado civilmente por negligência, com risco de ser condenado a indenizar o paciente, por falha no dever de informar, se comprovado o nexo de causalidade entre a omissão da informação e o resultado advindo ao paciente, que muitas vezes, alega que se soubesse dessa possibilidade, teria optado por não se submeter ao procedimento, ainda que a técnica, tratamento ou procedimento tenham sido corretamente realizados. Isso ocorre porque o dano informacional é considerado um dano autônomo, também chamado de lesão autônoma.

A vias de exemplo, em um caso concreto, decidiu o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 1.848.862-RN de relatoria do E. Ministro Marco Aurélio, que: “O médico é civilmente responsável por falha no dever de informação acerca dos riscos de morte em cirurgia.”

Nesse caso em específico, não houve erro médico, e sim, ausência de esclarecimento por parte dos médicos (cirurgião e anestesiologista), quanto aos riscos da cirurgia, principalmente pelas

características físicas do paciente, obeso e com hipertrofia de base de língua, condições estas que poderiam dificultar uma eventual intubação do paciente, o que, de fato, ocorreu, resultando em seu óbito.

Os familiares da vítima, então, ajuizaram ação de indenização por danos morais contra os dois médicos, que responderam solidariamente por falha no dever de informar. Ficou comprovado em juízo, que o termo de consentimento livre e esclarecido fornecido pelos médicos, era genérico e não abrangia todos os riscos da cirurgia.

A exceção no tocante à obtenção do consentimento trazida pelo mencionado art. 22 do Código de Ética Médica, se refere a situações de iminente risco de morte, única hipótese que autoriza e exige do médico uma atuação rápida e precisa, sem obviamente, da necessidade de se colher o consentimento do paciente ou de seu representante legal para a realização do ato. Nesse caso, o médico está autorizado a utilizar todos os meios necessários para salvar a vida de quem se encontra em grave e iminente risco de morte, independentemente da vontade da vítima ou de seus familiares. Em uma possível colisão de direitos, prevalece o direito à vida.

Essa conduta do médico que age em uma situação de emergência, será considerada totalmente legítima e amparada pela excludente de ilicitude do estado de necessidade de terceiro, que possui previsão legal nos arts. 23 e 24, do Código Penal, isentando o profissional de sofrer qualquer tipo de punição legal.

Isso porque, no estado de necessidade aplica-se o princípio da ponderação dos bens jurídicos, é o que ocorre, por exemplo, nos casos de transfusão de sangue em pacientes Testemunhas de Jeová, quando menores de dezoito anos de idade ou totalmente incapazes de consentir por qualquer motivo, quando se encontram em situações de iminente risco de morte.

Em uma possível colisão entre os direitos: vida x liberdade de consciência e de crença religiosa, o direito à vida, prevalecerá. Por tratar-se de um direito indisponível, até mesmo pelo próprio paciente.

É por isso que o médico notando que determinado paciente, criança, filho de pais Testemunhas de Jeová, precisando urgentemente de transfusão de sangue, sob grave e iminente risco de morte, deve optar por realizar a transfusão e assim, salvar a vida daquela criança, independente do consentimento dos pais ou de autorização judicial. Na prática, pede-se a autorização ao Judiciário por cautela, uma vez que incide a excludente de ilicitude do estado de necessidade.

Uma das regras a ser observada na obtenção do consentimento informado é que seja feita em momento anterior ou simultâneo à conduta médica. Nas situações de emergências, em que o paciente se encontra em estado grave, mas não em iminente risco de morte, o consentimento pode e deve ser formalizado em momento posterior, porém, importante ressaltar que a situação emergencial não exclui a observância do dever de registro e informação ao paciente, ela apenas posterga a materialização desse dever. Primeiro presta-se o socorro com todos os meios necessários, e depois registra-se as informações no prontuário e colhe-se o consentimento.

E como o médico vai fazer a prova de que observou seu dever informacional? Vale ressaltar que a lei não prevê uma forma exata de se obter e formalizar o consentimento, nosso ordenamento jurídico admite todos os meios de prova que possam ser utilizados em juízo como comprovação do cumprimento do dever de informar.

Essa justificativa está prevista no art. 107 do Código Civil, que assim dispõe:

“A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”

Com isso, pode-se afirmar o termo de consentimento livre e esclarecido (ou termo de consentimento informado) não é um documento obrigatório. O que é obrigatório e indispensável para a realização de qualquer ato, tratamento ou procedimento médico – fora dos casos de iminente risco de morte – é a obtenção do consentimento livre e esclarecido do paciente plenamente capaz, ou de seu representante legal.

Portanto, a forma mais adequada e eficaz para facilitar a prova da observância do dever informacional pelo médico, é justamente, através do termo de consentimento, ou seja, por meio de um documento escrito/digitalizado, que contenha de forma minuciosa, em linguagem simples, acessível e clara, todos os possíveis riscos, benefícios, chances de sucesso e insucesso do procedimento/tratamento médico. Não podendo, de maneira alguma, conter termos genéricos ou que possam dar margens à dúvidas e interpretações equivocadas a ponto de interferir na capacidade de consentir ou dissentir do paciente.

Nosso sistema jurídico não admite o consentimento genérico (blanket consente), caso contrário, ainda que exista um termo de consentimento livre e esclarecido, assinado pelo médico e pelo paciente, se restar comprovado que suas cláusulas são genéricas, ambíguas ou de difícil compreensão, o profissional corre o risco de ser condenado civilmente a indenizar esse paciente, como aconteceu no citado caso do cirurgião e do anestesiologista.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o termo de consentimento livre e esclarecido é a prova do cumprimento do dever informacional observado pelo médico.

Vale ressaltar ainda, que o termo faz parte do prontuário do paciente, e deve ser anexado a este, de forma destacada.

Em casos de profissionais, que por algum motivo, preferem não atuar com o termo de consentimento, estes devem se atentar para um bom e completo preenchimento (de forma legível se for físico), do prontuário, pois, reiterando: o termo não é obrigatório, mas a obtenção do consentimento, sim.

Em tema de validade do consentimento, as hipóteses de intercorrências e reflexos em mais de uma área do Direito são amplas, saindo da esfera da responsabilidade civil e trazendo para a seara do direito penal, um exemplo clássico em que o consentimento do paciente não terá validade alguma, será o caso de paciente em estado terminal que, sofrendo de intensas dores apela para os médicos ou um terceiro, que desligue os aparelhos que o mantém vivo.

A lei penal não considera o consentimento do ofendido como uma causa de exclusão do crime, mas como causa supralegal de exclusão da ilicitude do delito. Porém, não nesse caso.

O Brasil não permite a eutanásia, esse pedido, mesmo partindo de paciente plenamente capaz e consciente não pode ser acatado, por mais comovente que seja. A conduta de quem ceder ao pedido e desligar os aparelhos será considerada ilícita, vindo o agente a responder pelo crime de homicídio, na maioria dos casos, com diminuição de pena em sua forma privilegiada, (o chamado homicídio emocional), previsto no §1 do art. 121, do Código Penal, se não ocorrer qualquer outra causa de exclusão de culpabilidade.

Em suma, o consentimento só exclui a ilicitude da conduta quando válido.

Sobre as principais peculiaridades no tocante ao consentimento do paciente destacadas neste artigo, conclui-se que o dever informacional é um dos mais relevantes a ser observado pelo médico em suas atividades e na relação com os pacientes, o que o impede de eventuais responsabilizações éticas e legais.

Por último, o ônus de provar a obtenção do consentimento informado pertence ao médico, por isso se faz importante formalizá-lo de forma escrita, e o meio mais adequado para isso é, justamente, por meio do termo de consentimento livre e esclarecido, e em sua falta, pelo prontuário.

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