Os desafios regulatórios no fenômeno da saúde digital

O ramo da saúde no cenário pós pandêmico vem sendo marcado pelo surgimento e consolidação de novos componentes da vida digital que estão revolucionando o setor. Avanços relevantes quanto ao uso das tecnologias de informação e comunicação nas mais diversas áreas, vêm tomando formas e atingindo proporções nunca antes vistas. Afinal, estamos inseridos em uma era digital, marcada por um cenário econômico-social alicerçado na tecnologia da informação, que vem transformando não só as interações sociais, como também a forma de prestação de serviços e produtos relacionados à saúde.

O fortalecimento de um conjunto de ferramentas e serviços de saúde que se baseiam no uso de tecnologias digitais, é um produto direto desse fenômeno, fazendo surgir um campo que vem sendo popularmente conhecido como “saúde digital”, que engloba temas como a telessaúde e a utilização de inteligência artificial em procedimentos e diagnósticos.

Compreender os desafios regulatórios sobre o tema se faz cada dia mais urgente. Qualquer debate público neste sentido deságua no reconhecimento do direito fundamental à saúde como objetivo principal da regulação. Talvez a dificuldade aqui debatida repouse justamente na necessidade de se construir um ambiente regulatório que seja capaz de oferecer os incentivos para o desenvolvimento de novas tecnologias benéficas à sociedade e aos pacientes, ao mesmo tempo que consiga estabelecer os limites das novas tecnologias no que se refere à plena proteção dos direitos fundamentais do ser humano.

Nesse sentido, entender os tipos de bens, produtos e serviços digitais em saúde é essencial para garantir a melhor proteção do próprio direito à saúde, assegurado pela Constituição Federal. Por outro lado, é inegável que os desafios regulatórios sobre o tema são os mais diversos.

No Brasil, a regulação da saúde digital caminha de forma muito incipiente. A Lei Geral de Proteção de Dados e a Lei nº 14.510/2022, por exemplo, são marcos importantes sobre o tema, entretanto, ainda não se demonstram suficientes diante da complexidade da matéria. Esta última, autoriza e disciplina a prática da telessaúde, porém o faz de forma que não contempla as complexidades da modalidade, atribuindo a outros órgãos reguladores a determinação das condições para o seu funcionamento.

Entretanto, ainda que a curtos passos, a movimentação deste campo nos últimos anos tem se mostrado promissora. A Lei nº 14.063/2020, que versa sobre a assinatura eletrônica em saúde, previu que documentos subscritos por profissionais de saúde relacionados a sua área de atuação são válidos, quando assinados através das modalidades em seu bojo elencadas. No mesmo sentido, a Resolução 2.299/2021 do CFM veio normatizar a emissão de documentos médicos eletrônicos por portais e plataformas em atendimentos presenciais e à distância.

Dentro do contexto do tema citado alhures, a própria ANVISA, através da nota técnica de nº 31/2020, se posicionou no sentido de que medicamentos que exijam a apresentação de prescrição médica, apenas podem ser comprados com a utilização de receitas digitais (com assinatura digital certificada pelo ICP-Brasil), desde que inseridos no rol permissivo trazido em seu conteúdo e desde que o estabelecimento farmacêutico conte com recurso para consultar o documento original eletrônico.

Ainda merecem destaque as iniciativas do Ministério da Saúde, que em 2020, através da portaria de nº 1.434, trouxe a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), inserido no contexto do Programa Conecte SUS, plataforma nacional criada pelo Departamento de Informática do SUS, com o objetivo de viabilizar a interoperabilidade de dados de saúde entre agentes deste “ecossistema”, se mostrando como uma espécie de repositório e armazenamento dos dados de saúde, utilizando-se de blockchain como tecnologia de suporte para fins de segurança e desempenho. Ao longo de sua evolução, a RNDS está se constituindo como uma plataforma informacional de alta disponibilidade, segura e flexível, de forma a favorecer o uso ético dos dados de saúde.

Em resumo, nota-se que o fenômeno da saúde digital guarda em si um grande potencial para a sociedade, tendo sido a sua necessidade de regulação percebida e, aos poucos, enfrentada por diversos Órgãos, que já estão trabalhando nesse sentido.

Afinal, tais inovações, se não bem normatizadas e parametrizadas, também podem se desdobrar em riscos a um conjunto significativo de direitos fundamentais. E sendo assim, as funções regulatórias do Estado se revelam imprescindíveis para que se possa construir um ambiente regulatório que seja capaz de oferecer as bases necessárias ao desenvolvimento de tecnologias, ao passo em que estabeleça os limites necessários a salvaguardar os direitos à privacidade, saúde e liberdade dos cidadãos. O futuro parece promissor.

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