Os impactos socioambientais da indústria têxtil: produção, descarte e reciclagem

Conceitos básicos sobre o que são e como descartar adequadamente resíduos recicláveis e orgânicos já estão presentes no cotidiano da maior parte da população, mas pouco – ou nada – se ouve falar sobre a forma adequada de se fazer o descarte de roupas, calçados e congêneres. Tais itens podem demorar centenas de anos para se degradarem, sendo imprescindível que todos se apoderem dessa pauta e façam a sua parte, sob pena de termos montanhas gigantescas de roupas como parte da paisagem da Terra e quem pode ser vistas, inclusive, do espaço. Inimaginável, certo? Mas, infelizmente, já é uma realidade.

Um grande lixão a céu aberto no meio do Deserto do Atacama foi identificado pela empresa SkyFi, que faz monitoramentos via satélite, e pode ser visto por meio do Google Earth, ainda que com menos exatidão.

As toneladas de roupas e resíduos têxteis chegam de diversos países da Europa, Ásia e América do Norte, originalmente, com a finalidade de serem distribuídas pelo Chile para posterior revenda. Os produtos impróprios (com defeitos, muito velhos e sem condições de uso) para comercialização, que correspondem a quase 60% das toneladas de produtos recebidos, são descartados em lixões clandestinos.

A indústria têxtil figura como uma das mais poluentes do mundo (já tendo sido classificada por algumas consultorias ambientais como a mais poluente do mundo), especialmente com relação ao consumo de recursos naturais, que começa ainda na produção da matéria-prima (tecido). Não podemos nos esquecer que as nossas roupas são feitas a partir de fibras, que podem ser naturais, como o algodão, ou artificiais, como o poliéster (indústria petroquímica) e a viscose (celulose). No caso do algodão, a produção começa ainda na preparação do solo para receber o plantio das sementes. Nessa fase, os recursos naturais utilizados são o solo e a água da chuva. Com o plantio, há o processo de aplicação de fertilizantes e corretivos. Durante o cultivo, é necessária a aplicação de pesticidas, que é feita, geralmente, por meio de aviões para otimizar a pulverização.

Com o final dessa etapa, vem a colheita, o que implica na utilização de maquinário agrícola. Ou seja, só nessa fase de produção do algodão, descrita de forma bem simplificada, pode-se verificar impactos para o solo e para a água, por conta da utilização massiva de agrotóxicos – que também têm diversas implicações para a saúde humana – e para o ar, por conta das emissões de gases de efeito estufa advindos dos combustíveis utilizados nos implementos agrícolas e aviões, bem como do transporte desses produtos e, após processo de beneficiamento, do algodão para as fábricas.

Já as fibras chamadas químicas se dividem em artificiais, produzidas a partir da celulose e as sintéticas, originárias da indústria petroquímica, que também contam com uma longa e poluente cadeia de produção.

Superadas as fases de produção das fibras, elas são encaminhadas às fábricas para a produção dos tecidos, confecção das peças de roupas e posterior distribuição para venda. A partir daí, inicia-se o processo de consumo, que também gera significativos impactos ambientais e varia conforme a forma de uso de cada pessoa e até a região onde mora. Esse processo envolve o modo e a frequência de lavagem, secagem e passagem das peças, que se repetirá até o fim de sua vida útil e esse fim depende muito de cada indivíduo.

A destinação de cada peça quando chega ao final de sua vida com determinado indivíduo pode ter vários destinos, como os lixões a céu aberto existentes no Deserto do Atacama, por exemplo.

Segundo especialistas, a decomposição de roupas e afins pode levar centenas de anos quando produzidas com fibras sintéticas, ao menos vinte anos quando feitas com algodão, sendo que os componentes químicos empregados no tratamento dos tecidos são altamente nocivos ao solo e à água, o que acaba inutilizando-os.  Lembrando que também é comum a promoção de queimadas nesses lixões como uma tentativa de redução dos montes, o que acaba sendo mais um fator poluente relacionado ao setor.

Além do Chile, o litoral de Gana também recebe milhões de restos de tecidos por semana, vindos dos mesmos países desenvolvidos já citados. No Brasil, o cenário não é muito diferente, mas o maior impacto é causado principalmente pela alta produção de novas peças. São quase 9 bilhões por ano no país, segundo dados do relatório Fios da Moda, produzido pelo Instituto Modefica e FGV.

Essa alta produção de peças de roupas faz parte da fast fashion (moda rápida), também chamada de moda de baixo custo. Ou seja, todo o processo de produção dos vários tipos de fibras é acelerado para abastecer toda essa demanda por peças de roupas que, por sua vez, serão descartadas em algum momento. Como a baixa qualidade das peças também é uma característica presente no mundo da fast fashion, a tendência é que as roupas tenham uma vida útil mais curta, o que torna a sua substituição cada vez mais fast. É um ciclo que se repete indefinidamente.

O tema é deveras complexos e envolve aspectos socioambientais, como a ausência de conscientização da população sobre o consumo desenfreado da chamada fast fashion e a exploração de mão de obra infantil e/ou submissão de funcionários a trabalhos forçados e análogos à escravidão. Essa é uma outra face da realidade de diversas fábricas de roupas tanto no Brasil quanto no exterior, principalmente em países da Ásia.

E como podemos minimizar esses impactos?

Como brevemente exposto acima, a problemática é complexa e, como sabemos, não existe resposta simples para problemas complexos. Todavia, o consumidor, que está na ponta da cadeia, tem à sua disposição algumas alternativas para contribuir com a diminuição dos impactos ambientais nocivos causados pelo descarte impróprio de roupas, sendo elas:

1) A primeira solução que vem à cabeça de quem não quer mais uma peça de roupa é doar ou vender, a depender de seu estado, o que já ajuda, já que, doando ou vendendo, pelo menos se evita que uma nova peça de roupa seja posta em circulação;

2) Upcycling: é a transformação das peças em novos produtos, a partir do reaproveitamento de tecidos, sejam eles derivados de roupas que não são mais utilizadas ou de retalhos de fábricas têxteis;

3) Muitos brasileiros desconhecem a possibilidade de reciclar roupas, mas ela existe! Todos os tipos de tecidos podem ser reciclados, mas apenas roupas feitas 100% de algodão voltam a ser utilizadas na confecção de novos produtos têxteis. Os outros materiais podem ser utilizados como insumos na indústria automobilística, construção civil e decoração (por exemplo, almofadas e travesseiros). Como o assunto ainda não é muito difundido no Brasil, não sabemos nem como direcionar as nossas roupas para a reciclagem industrial, mas algumas marcas estão contribuindo para a facilitação desse processo. Por exemplo, C&A (movimento ReCiclo), Reserva e YouComm já contam com postos de descarte de roupas usadas. No site da Cotton Move, empresa idealizadora de um projeto de economia circular, há indicação dos locais que realizam a reciclagem de roupas e você pode pesquisar os mais próximos de você.

No âmbito da criação, existe uma técnica voltada para o desperdício mínimo do corte, chamada de modelagem Zero Waste, onde todas as partes do molde devem se encaixar como um quebra-cabeça, a fim de evitar que qualquer parte do tecido seja desperdiçada.

Instituições como o Banco de Vestuário e Banco de Tecido são iniciativas inovadoras que contribuem para a economia circular por meio da coleta de retalhos e excedentes industriais que são, posteriormente, destinados a projetos sociais.

De olho na pauta ESG e nos problemas concretos que a indústria têxtil causa para o meio ambiente, a Malwee lançou o movimento Des.a.fio no ano passado, ocasião na qual produziu moletons com materiais 100% reciclados. Empresas como Reserva e Renner estão investindo na rastreabilidade digital do algodão empregado na produção de alguns de seus produtos, o que permite que o consumidor conheça a origem da peça e as práticas utilizadas em toda a cadeia de produção.

Independentemente de ser consumidor ou indústria, todos têm condições de contribuir para o crescimento da economia circular e redução dos prejuízos ambientais causados pelo setor têxtil.

O PDK conta com uma equipe multidisciplinar que pode te auxiliar em todos os temas tratados no presente artigo, seja de forma consultiva ou contenciosa. Entre em contato e saiba mais sobre as nossas áreas de prática e iniciativas socioambientais!

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Fontes:

MODEFICA, FGVces, REGENERATE. Fios da Moda: Perspectiva

Sistêmica Para Circularidade. São Paulo, 2020

https://www.bancossociais.org.br/Hotsite/47/Banco-de-Vestuarios/Inicial

https://www.plataformacircular.app/descarte-aqui

https://bancodetecido.com.br/

https://www.abrapa.com.br/Paginas/sustentabilidade/algodao-brasileiro-responsavel.aspx

https://www.estilistasindependentes.com/post/reaproveitamento-de-tecidos

https://www.reciclasampa.com.br/artigo/saiba-tudo-sobre-a-reciclagem-de-residuos-texteis-no-brasil

Conheça algumas marcas de roupas sustentáveis:

https://plataoplomo.com.br/marcas-de-roupas-sustentaveis-que-valem-a-pena-conhecer/

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