Introdução
A Ben & Jerry’s é uma companhia que se autoentitula “values-led”, pois, apesar de ser uma grande empresa internacionalizada, está fortemente preocupada em ser extremamente transparente quanto aos seus posicionamentos, mesmo que isso, às vezes, seja inicialmente contrário ao que uma empresa pensa em termos de lucratividade.
Em 2021, por exemplo, nesse comprometimento com seus valores, a companhia decidiu encerrar suas vendas em territórios palestinos ocupados, o que significou uma decisão muito difícil e disruptiva para eles e que trouxe muitos desafios, mas que está justamente alinhado com a política de responsabilidade social que eles vêm adotando desde sua criação. Durante a incerteza e as mudanças que a pandemia trouxe, a Ben & Jerry’s conseguiu utilizar sua forma de operação do negócio, assim como a influência que a companhia poderia ter sobre a sociedade, para promover avanços sociais e justiça climática.
A empresa não nega que essa maneira de operar pode ser frustrante em dados momentos, mas eles continuam agindo decidida e ousadamente. Eles se preocupam com problemas desde a paridade racial, dentro e fora da empresa, até a redução da sua pegada de carbono. Mesmo assim, seu objetivo principal em compartilhar essas ações não é para auto-vangloriação, mas para reportar seu progresso anual de forma transparente, permitindo que seus stakeholders e “fãs” possam cobrar pelos seus comprometimentos.
Pautas levantadas
Anualmente, desde 2006, a Ben & Jerry’s publica um Relatório de Avaliação Social e Ambiental (SEAR), trazendo, de maneira muito clara, concisa e transparente, tudo o que foi feito naquele ano referente a suas práticas ESG. É interessante ressaltar que a forma como a companhia traz essas informações parece refletir muito bem a maneira como acontece / aconteceu cada decisão e processo apresentado, não tentando exibir apenas o que funcionou e omitindo aquilo que não deu certo.
Abaixo, estão alguns dos tópicos trazidos pelo Relatório anual de 2021:
- Decisão de encerrar as vendas na Cisjordânia: a companhia apresenta o contexto histórico que levou a essa decisão, além de todo o processo decisório, a reação do público ao anúncio do encerramento das vendas e o impacto em sua rede de franchising;
- Equidade racial: a empresa reconhece a superioridade numérica de empregados brancos e faz uma comparação com as proporções raciais de empregados em todos os Estados Unidos. Ademais, eles apresentam seus objetivos de equidade racial, o Diretor de Equidade Racial e Inclusão, contratado em 2020, e a Gestora da área responsável por reportar a esse diretor as atividades de seus franqueados. Ainda nesse tema, a Ben & Jerry’s relata seus esforços internos relativos a equidade racial e inclusão, suas operações para diversificar a força de trabalho, seus parceiros nessa demanda, sua preocupação ao recrutar franqueados e, também, ao contratar fornecedores;
- Ativismo: todos os anos, a companhia apresenta o trabalho ativista que desenvolveu detalhadamente em cada país, destacando as particularidades de cada um. Na Europa, por exemplo, o ativismo da empresa foi focado em garantir direitos e dignidade para refugiados. Já nos Estados Unidos, por outro lado, o foco foi na transformação da polícia americana e nos sistemas de segurança pública;
- Clima: a Ben & Jerry’s tem objetivos climáticos estabelecidos desde 2018 de acordo com pesquisas científicas realizadas sobre o tema e, todos os anos, eles apresentam o impacto climático da empresa, além do que foi feito por eles para chegar a tal impacto;
- Programa de Fornecimento Conduzido por Valores (VLS): a empresa ainda se preocupa com a origem e o fornecimento dos recursos utilizados em seus produtos. As raízes desse programa estão baseadas na equidade racial, justiça para fazendeiros e seus empregados, agricultura regenerativa, bem-estar animal e pautas sociais, combinando o bem-estar econômico com o lado social da empresa. Além disso, a companhia explicita sua preocupação com sua cadeia produtiva, desde a retirada do leite das vacas até a exportação pelo mundo. Ainda, eles têm programas específicos para a Europa e para os Estados Unidos;
- Embalagem: a Ben & Jerry’s tem uma lista de 3 objetivos relacionadas a suas embalagens [(i) 100% dos produtos sendo vendidos em embalagens que não contenham plásticos não-compostáveis baseados em petróleo; (ii) 100% dos produtos com instruções de descarte; (iii) 100% das embalagens oriundas de recursos sustentáveis] e, todos os anos, eles demonstram o progresso que tiveram em relação a esses objetivos;
- Ben & Jerry’s Foundation: essa fundação, criada em 1985, surgiu de um “presente” inicial do fundador Ben, além de um compromisso sem precedentes do Conselho da empresa em destinar 7,5% dos lucros anteriores às taxas à filantropia. Em 2021, USD$4.754.925,00 foram direcionados à Fundação, dentro da qual há diversos programas que miram a atuação em diversas áreas diferentes.
Impacto do ESG para cada agente
O impacto gerado por práticas ESG adotadas por empresas inicia-se nos consumidores. É cada vez mais comum ver o consumidor considerando questões de sustentabilidade e responsabilidade social antes de escolher consumir determinado produto. Um estudo do IBM aponta que, de 2019 a 2021, houve um aumento de 22% (vinte e dois porcento) de consumidores considerando sustentabilidade, pelo menos, moderadamente importante. Nesse mesmo estudo, observa-se que, tratando-se de produtos ligados a deslocamento, quase 40% dos consumidores dizem que fatores ambientais são mais importantes do que o próprio custo, conforto e conveniência (3 fatores anteriormente utilizados para definir preferências de viagens). Por outro lado, ao contrário do que a Ben & Jerry’s vem construindo há anos, apenas 10% das empresas na indústria consumerista definiram suas próprias métricas de progresso sustentável.
O gráfico abaixo mostra a comparação entre 2019 e 2021 em relação à disposição dos consumidores a pagar mais por um produto sustentável:
Estudo do IBM Institute for Business Value
Não apenas os consumidores, mas também os investidores se preocupam com essas práticas. Assim como demonstrado acima, os consumidores estão cada vez mais preocupados com um consumo responsável, mas funcionários, em geral, também buscam trabalhar em locais alinhados a seus próprios valores. Investimentos em práticas ESG trazem resultados mais visíveis a longo prazo, o que acaba atraindo investidores que enxergam esse potencial.
Ademais, seguir uma agenda ESG, consequentemente, preserva a reputação da companhia. Isso porque escândalos e atividades ilícitas realizadas são evitados entre o público, justamente porque os princípios do ESG impedem que essas práticas sequer venham a ocorrer. Dessa maneira, mesmo que esses investidores não estejam diretamente preocupados com sustentabilidade nas práticas da empresa, os benefícios resultantes dessa agenda são atrativos a eles.
Por fim, até mesmo alguns Estados estão interessados em manter sustentável a cadeia de produção, uma vez que a degradação ambiental afeta a todos, independentemente do envolvimento do agente com determinada companhia. Um exemplo disso é a forma como a União Europeia decidiu tratar esse assunto. Em 2023, o Parlamento Europeu aprovou uma lei que proíbe a importação de café, carne bovina, soja e diversos outros produtos se ligados à destruição florestal. O desmatamento na Amazônia preocupa a Europa há anos e essa atitude demonstra apenas uma parte das ações que já foram e que serão ainda tomadas pelo bloco em relação à sustentabilidade no Brasil. A lei ainda precisa de endosso formal nos Estados europeus, mas prevê que as empresas exportadoras à UE deverão declarar sua diligência e tornar “verificáveis” as informações providas sob pena de altas multas.
Impacto de práticas ESG no valor de uma empresa
Apesar de difícil visualização de uma conexão direta, as práticas ESG, se adotadas corretamente, são capazes de impactar o valor de mercado de uma empresa, objetivo comum de companhias em um mercado competitivo.
A Ben & Jerry’s, como foi demonstrado, volta muitos de seus esforços para adequar-se a práticas mais sustentáveis e inclusivas, mas um dos maiores pontos levantados por críticos às atividades da empresa é “ignorar” a última letra de ESG, deixando de dar maior atenção a sua governança. Dessa maneira, apesar de ser uma referência em termos de sustentabilidade e inclusão, a empresa ainda peca para ser um modelo completo de práticas ESG.
Nesse sentido, é difícil dizer quanto uma maior ou menor atenção a uma das vertentes do termo impacta no resultado final das ações de uma empresa como a Ben & Jerry’s. Um estudo empírico realizado a partir da análise de empresas alemãs chegou à conclusão de que, separadamente, cada aspecto do ESG tem impactos positivos nos resultados de uma companhia. Entretanto, quando comparados uns aos outros, ações relacionadas à governança corporativa têm um impacto mais forte nesses resultados quando comparadas a ações de sustentabilidade e inclusão. O estudo aponta que uma possível causa para isso é uma forte tradição de reportar aspectos de governança na Alemanha ou uma importância mais elevada desse fator para stakeholders.
Ademais, um metaestudo, feito com uma base de estudos entre 2016 e 2020, analisando a relação entre ESG e performance financeira traz alguns insights interessantes sobre essa relação. Em primeiro lugar, aponta que um resultado financeiro melhor devido a práticas ESG só se torna mais evidente a longo prazo, desde que mantida a constância.
O mesmo estudo explica que iniciativas sustentáveis em companhias parecem impulsionar a performance financeira devido a fatores como uma melhor gestão de riscos e maior inovação. Além disso, os estudos analisados indicam que uma gestão pensando em um futuro com baixas emissões de carbono melhora o desempenho financeiro de empresas.
Como as práticas ESG se relacionam à Propriedade Intelectual de uma empresa
A principal consequência relacionada à Propriedade Intelectual de uma empresa com a adoção de práticas ESG, principalmente a médio e longo prazo, é a imagem que a Marca passa a transmitir. Já foi abordado acima como os consumidores, cada vez mais, dão valor à adesão a maneiras mais sustentáveis e responsáveis de companhias, assim como os investidores.
Recentemente, têm sido desenvolvidos diversos estudos e artigos relacionando a adoção de medidas socialmente responsáveis ao valor e à credibilidade de marcas. Hur et al., por exemplo, apontou que se uma empresa é percebida como tendo alta responsabilidade social, maiores as chances dos consumidores confiarem na credibilidade da marca, que é definida como a crença do consumidor na veracidade de informações oferecidas por uma marca [Hur, W.M.; Kim, H.; Woo, J. How CSR leads to corporate brand equity: Mediating mechanisms of corporate brand credibility and reputation. J. Bus. Ethics 2014, 125, 75–86]. A credibilidade de uma marca é importante, pois aumenta a probabilidade de pensar-se que uma marca é confiável, ampliando a predisposição do consumidor em responder positivamente à marca [Unrich, S.; Koenigstorfer, J.; Groeppel-Klein, A. Leveraging sponsorship with corporate social responsibility. J. Bus. Res. 2013, 67, 2023-2029].
Assim como a credibilidade de uma marca, adotar práticas ESG afeta também na imagem dela, que se refere à percepção dos consumidores quanto ao todo que envolve a marca presente na memória do cliente e, por isso, é resultado das ações de uma empresa no passado. A imagem de uma marca tem um efeito direto sobre a postura dos consumidores frente a ela mesma, assim como um papel mediador entre a percepção de iniciaitivas ESG e a postura dos consumidores [Koh, Hee-Kyung; Burnasheva, Regina; Suh, Yong Gu. Perceived ESG and Consumers’ Responses: The Mediating Role of Brand Credibility, Brand Image, and Perceived Quality. 2022].
Um estudo da Brand Finance mostra as 10 empresas com maior valor em potencial. A Microsoft, que está em primeiro lugar, com USD 1,5 bilhões (aproximadamente R$ 7,35 bilhões), tem uma performance sustentável que excede a percepção pelo público. Isso significa que há oportunidade para que a Microsoft gere mais USD 1,5 bilhões de valor em sua marca se houver uma comunicação mais avançada e ampliada sobre suas iniciativas e serviços sustentáveis.
Por outro lado, a Tesla tem um valor em potencial negativo, apesar do que se esperaria de uma marca como esta, pioneira em veículos elétricos e tecnologias associadas. Isso se dá porque, por mais que a empresa tenha uma boa performance em relação a sustentabilidade ambiental, há uma fraqueza em seus componentes de governança e de responsabilidade social, o que indica a necessidade de se dar igual atenção às três vertentes do ESG. Ademais, deve-se procurar manter a percepção do público quanto a atitudes sustentáveis sempre alinhada às estratégias que de fato ocorrem dentro da empresa, não deixando que haja um valor em potencial desperdiçado pela falta de percepção do público e nem que esse valor seja negativo pela percepção em exagero (greenwashing).
Guia de Ação
Pensando na relevância do tema, assim como no interesse crescente de empresas, consumidores e todos os stakeholders, a seguir, está um Guia de Ação com planos concretos de como engajar uma companhia em uma necessária agenda ESG.
- Criação da visão e do plano
- Criação e comprometimento com objetivos sustentáveis de longo termo;
- Exploração de oportunidades de aprimoramento dos processos dentro da empresa, das operações da cadeia de produção e novas oportunidades de crescimento;
- Alto nível de engajamento da liderança da empresa, levando-a a, além de criar, identificar-se à visão.
- Optimização as operações do negócio através de iniciativas sustentáveis de baixo risco
- Uso das tecnologias e plataformas adequadas, embasando-se em experiências bem-sucedidas de outras companhias, evitando problemas regulatórios e investimentos muito altos e garantindo um rápido acesso e maior precisão;
- Exploração de métodos sustentáveis para melhorar e otimizar operações de negócios, principalmente utilizando workflows inteligentes para, assim, integrar a tomada de decisões aos workflows ativos já existentes.
- Engajamento do ecossistema da empresa para acelerar a agenda de crescimento sustentável
- Desenvolvimento de novas parcerias e ecossistemas, o que pode auxiliar na relação com parceiros de negócios, governos, associações e mercados, enquanto maiores confiança e transparência são cultivadas entre os consumidores finais;
- Melhora na transparência para ganhar a confiança do consumidor a partir, também, dos próprios produtos comercializados;
- Aceleração na inovação por meio de novos designs de produtos e desenvolvimento utilizando energia renovável, materiais recicláveis e outras opções sustentáveis, fomentando a sustentabilidade através de todas as etapas de produção.
Para mais informações, consulte nossos especialistas em Propriedade Intelectual.